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Uma história de quem vigia

Por onde ela anda? Passados quase dez anos, só sobraram as minhas lembranças, que começam antes de nos conhecermos. Nossas histórias se cruzaram no meu primeiro ano após terminar o ensino médio. Ambos estávamos entrando no mercado de trabalho. Ela, confiante na profissão que iria seguir, e eu, desiludo pelos rumos que minha vida estava tomando. Ela, bolsista de uma das maiores faculdades do país, e eu, sem esperanças nem dinheiro para entrar numa boa faculdade.

Aos olhos da história, dez anos é pouco tempo, mas na rapidez com que a tecnologia está evoluindo, cada pequeno período representa grandes mudanças. Tanto que as redes que ficaram famosas por conta dos dispositivos móveis começaram a se popularizar naquela época, tomando lugar das redes mais antigas, como o Orkut e o Facebook.

Adicionei-a no Facebook, apenas. Dávamo-nos bem, pois, entre os motivos, eu sempre gostei de política e ela fazia um curso que tem isso como base. Conversávamos sobre as novidades de um Brasil cheio de protestos e prestes a ter uma eleição presidencial que dava indícios de caos. Eu gostava de conversar com ela. Até o ensino médio, minhas conversas mais profundas sobre temas profundos eram com os professores. Nunca fui uma pessoa muito sociável, como dá para perceber.

E com ela, a conversa fluía. Eu a via uma vez por semana e contava os dias para isso. Ela se sentava ao meu lado e ficávamos juntos, conversando, no intervalo daquele encontro semanal programado, que não sei se ela encarava com a mesma empolgação que eu. O curso era obrigatório, mas, para mim, era o alívio pós-semana intensa de trabalho.

Terminado o dia, separávamo-nos na estação. Ela pegava um sentido, e eu, o outro. Rolava um papo legal sobre os mais diversos assuntos. Num deles, sobre o livro que ela estava lendo, signos etc. Esperamos três, quatro, cinco vagões para que o assunto se estendesse mais um pouco.

Seus olhos verdes e cabelos loiros eram apenas detalhes frente a química que, na minha visão, tínhamos. Eu estava longe de estar na melhor versão de mim mesmo. Tinha ainda mais insegurança, autoestima baixa e uma visão politicamente conservadora, que é diferente da que eu formei nos anos seguintes. Ela, talvez, gostasse mais do eu de hoje. Este até que é simpático.

Trabalhávamos em empresas diferentes. Não lembro qual o segmento, mas lembro que era algo que parecia importante. Nada contra meu emprego, mas eu estava longe daquilo que eu sonhara, apesar de eu lhe ser muito grato, já que, com o salário, pude economizar e entrar na faculdade no ano seguinte.

Nossos “encontros” duraram onze meses. O suficiente para eu criar na minha mente diversos cenários e ser cobrado por mim mesmo por uma atitude, seja qual fosse. Mas ganhou, mais uma vez, a minha omissão, que, como em outras histórias minhas, resulta em desilusões e tristezas.

E se ela sentisse a mesma coisa que eu? E se um simples convite para algo fora daquela rotina fosse aceito? Eu nunca terei as respostas. 

Mas tenho indícios dos caminhos que ela trilhou desde então. E como ela está agora? Busco pelo seu perfil, sem atualizações há muito tempo. Uma, de que ela se formou. Que grande notícia! Curto.

Depois de um tempo, outra atualização. Um relacionamento sério se iniciou. Sem mais detalhes e contexto, também curto a publicação. De quem se trata? Que tipo de relacionamento? Não sei.

O tempo passa. Nenhuma outra atualização.

Ainda em busca de respostas, busco pelo seu perfil em outras redes. Mas é difícil encontrar. Não temos amigos em comum. Lembro do seu nome completo, e tento achar variações, novamente sem sucesso. 

Busco no Facebook. Uma pessoa a marca. Um homem, simpático, publica uma selfie com ela. Busco-o no Instagram. A foto, em um casamento, mas perfil fechado.

Busco mais uma vez por ela no Instagram e, dessa vez, a encontro. O perfil fechado me dá mais respostas do que qualquer outro vestígio. A foto de perfil. 

Ela sorrindo. Num casamento. 

Parece estar feliz com seu vestido de noiva.



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