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Aplicativos de relacionamento ignoram os tímidos

Aplicativos de relacionamento não são para todos. Ao contrário do que se deduz, as ferramentas que têm por objetivo aproximar pessoas, seja na paquera ou mesmo para novas amizades, não democratizam os relacionamentos. Pelo contrário. Tinders, Bumbles, Hapnns e variações servem apenas para um público que normalmente já se dão bem na vida "offline".

Para quem nunca teve curiosidade de baixá-los, os aplicativos que "facilitam" o xaveco são simples. Basta ter conexão à internet e falta de amor-próprio para se dispor a ser um figurativo produto de alguma prateleira de mercado. Ao baixar o aplicativo, o usuário deve selecionar suas melhores fotos, que devem dizer algo sobre você e seus gostos, e colocar uma autobiografia. Para a turma do "quem se descreve se limita", para os modestos ou mesmo para os de baixa autoestima, é uma tarefa difícil e angustiante, afinal, é a partir dessa publicidade que suas futuras conversas irão partir. 

Os desafios começam logo no começo. É, como tudo que se trata de pessoas atualmente, muita burocracia. A sociedade, simplesmente, chegou ao nível de dificultar algo que já é difícil e que, biologicamente, deveria ser natural.

É preciso pensar nos demais públicos. Nos públicos que hoje servem para esses aplicativos apenas para inflar os números de usuários dessas redes. Esses públicos acabam por não excluir os perfis porque mantêm viva a esperança de conquistar alguém, mas se frustram quando as conexões - às vezes raras e nem sempre tão reais -, não correspondem às expectativas. Desconfio que isso seja de propósito. Se todos namorarem, não haverá usuários de aplicativos de relacionamento. Deixemos, por ora, as teorias da conspiração de lado. A realidade, porém, não é animadora.

Fica então o pedido para que seja criado uma rede para os tímidos, independentemente do gênero. Em Ted Lasso, série da Apple TV+, há uma proposta de aplicativo em que os usuários não colocam fotos, mas interagem entre si apenas e tão somente a partir das conversas e dos textos colocados na descrição. Na prática, isso não funcionaria por conta dos riscos envolvidos. Na vida real, mesmo com os recursos de segurança, é um risco conhecer alguém pessoalmente, visto o Golpista do Tinder, documentário da Netflix que conta a história de um homem que roubou muitas mulheres pela Europa.

Voltando ao nosso cotidiano. Quando relato minha frustração ao acessar esses aplicativos, é comum amigos compartilharem suas próprias histórias ou de amigos de casos positivos a partir da paquera virtual. A minha percepção, porém, é que isso tem se tornado mais raro, restritos a um passado onde as pessoas e o ambiente virtual eram diferentes. Elementos novos, como o FOBO (medo de perder opções melhores a partir das muitas opções disponíveis), pessoas cada vez mais ansiosas e a dificuldade rotineira do nosso dia a dia acabam por travar as "conversões" nesses aplicativos. 

No fim das contas, nos contentaremos com pessoas cada vez mais solitárias e distantes uma das outras. Ou mesmo de pessoas que perdem grandes oportunidades simplesmente porque a relação e o flerte à distância não conectam e por isso deixam de ser reais.



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